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Comentário ao artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor

  • Foto do escritor: Alinne Guerra
    Alinne Guerra
  • 20 de mai.
  • 8 min de leitura

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Defesa do Consumidor

Art. 35 - Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:


I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;


II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;


III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia e eventualmente antecipada, monetariamente atualizada e perdas e danos.


Notas:


1. O Princípio da Obrigatoriedade da Oferta e os Remedios Jurídicos do Consumidor


Fundamentos Doutrinários e Posicionamento Sistemático


O artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor representa um dos pilares fundamentais da proteção consumerista no ordenamento jurídico brasileiro, consagrando o princípio da vinculação da oferta publicitária. Este dispositivo, intrinsecamente conectado ao art. 30 do mesmo diploma, materializa a força obrigatória das declarações publicitárias, estabelecendo um sistema de proteção que transcende a mera autonomia da vontade contratual.


Na lição de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos principais arquitetos do CDC, a norma em questão "transforma a publicidade em fonte de obrigações jurídicas, não mais permitindo que o fornecedor se escude em alegações de erro ou má interpretação publicitária" (BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 8ª ed. São Paulo: RT, 2017). Esta perspectiva encontra respaldo na própria ratio legis da codificação consumerista, que busca equalizar as relações de consumo historicamente assimétricas.


Cláudia Lima Marques enfatiza que "o art. 35 representa a materialização do princípio da confiança legítima nas relações de consumo, vedando comportamentos contraditórios do fornecedor que frustrem as expectativas legitimamente criadas no consumidor" (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 9ª ed. São Paulo: RT, 2019). A autora destaca ainda que a norma opera como instrumento de combate ao venire contra factum proprium, coibindo condutas desleais na fase pré-contratual.


2. Análise Exaustiva dos Incisos


Inciso I - O Cumprimento Forçado da Obrigação


O primeiro inciso consagra o direito do consumidor de exigir o cumprimento específico da obrigação nos exatos termos da oferta, apresentação ou publicidade. Esta opção materializa o princípio da execução específica, já consolidado no direito obrigacional clássico (art. 461 do CPC), mas com contornos particulares no microssistema consumerista.


José Geraldo Brito Filomeno observa que "o cumprimento forçado representa a primazia da execução específica sobre a conversão em perdas e danos, traduzindo verdadeira preferência legislativa pela satisfação integral do interesse do consumidor" (FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2016).


A aplicação prática deste inciso encontra particular relevância em situações envolvendo imóveis anunciados, automóveis com especificações técnicas determinadas, ou serviços com características específicas veiculadas na publicidade. O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido consistentemente este direito, estabelecendo que a impossibilidade de cumprimento deve ser objetivamente demonstrada pelo fornecedor.


Inciso II - A Equivalência como Alternativa


A segunda opção conferida ao consumidor - aceitar produto ou serviço equivalente - introduz importante flexibilização ao sistema, permitindo soluções pragmáticas que atendam aos interesses de ambas as partes. Contudo, a equivalência deve ser objetivamente aferível, não se limitando ao aspecto econômico, mas abrangendo funcionalidade, qualidade e adequação ao fim pretendido.


Orlando Gomes, em sua obra clássica sobre obrigações, já antecipava esta possibilidade ao afirmar que "a equivalência funcional pode, em certas circunstâncias, satisfazer adequadamente o interesse do credor, desde que preservadas as características essenciais do objeto da prestação" (GOMES, Orlando. Obrigações. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016).


A doutrina contemporânea tem enfatizado que a aceitação do produto ou serviço equivalente deve ser genuinamente livre, vedando-se qualquer forma de coação econômica ou moral por parte do fornecedor. Bruno Miragem destaca que "a equivalência não pode ser imposta, mas apenas oferecida como alternativa legítima, cabendo exclusivamente ao consumidor avaliar se a substitutição atende aos seus interesses" (MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8ª ed. São Paulo: RT, 2019).


Inciso III - A Rescisão Contratual com Indenização Integral


O terceiro inciso estabelece a mais radical das soluções: a rescisão contratual com direito à restituição de quantias pagas, devidamente atualizadas, acrescidas de perdas e danos. Esta opção reflete a vertente sancionatória da norma, desencorajando comportamentos inadequados por parte dos fornecedores.


A previsão da atualização monetária e das perdas e danos revela a preocupação legislativa com a reparação integral do prejudicado. Carlos Roberto Gonçalves enfatiza que "a indenização deve abranger não apenas os danos emergentes, mas também os lucros cessantes e, quando configurado, o dano moral decorrente da frustração das expectativas legitimamente criadas" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Contratos e Atos Unilaterais. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020).


3. Controvérsias Doutrinárias e Questões Práticas


A Natureza Jurídica da Oferta Publicitária


Uma das principais controvérsias doutrinárias gira em torno da natureza jurídica da oferta publicitária. Enquanto a corrente majoritária, capitaneada por Antônio Herman Benjamin e Cláudia Lima Marques, sustenta tratar-se de verdadeira oferta no sentido técnico-jurídico, parcela da doutrina, influenciada by Sérgio Cavalieri Filho, defende que se trata de convite ao tratado (invitatio ad offerendum) com efeitos obrigacionais específicos.


Esta divergência possui implicações práticas significativas, especialmente quanto ao momento da formação do contrato e à extensão dos deveres informativos do fornecedor. A jurisprudência superior tem adotado posição intermediária, reconhecendo que, independentemente da classificação teórica, a publicidade gera vinculação obrigatória nos termos do art. 35.


A Questão do Erro na Publicidade


Outro ponto controverso refere-se às consequências do erro manifesto na publicidade. Parte da doutrina, influenciada pela teoria clássica dos vícios do consentimento, defende a possibilidade de anulação em casos de erro grosseiro evidente. Contudo, a doutrina especializada em direito do consumidor, liderada por Leonardo Roscoe Bessa, sustenta a irrelevância do erro, uma vez que "o art. 35 estabelece responsabilidade objetiva pela publicidade, independentemente da análise da culpabilidade ou da intenção do fornecedor" (BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do CDC. 3ª ed. São Paulo: RT, 2018).


4. Evolução Jurisprudencial e Tendências Contemporâneas


A aplicação do art. 35 tem evoluído significativamente desde a promulgação do CDC. Inicialmente restritiva, a jurisprudência tem ampliado progressivamente o conceito de "oferta" para abranger não apenas a publicidade tradicional, mas também informações veiculadas em websites, redes sociais e aplicativos móveis.


O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) introduziram novos elementos ao debate, especialmente quanto à publicidade direcionada e aos algoritmos de recomendação. A doutrina contemporânea tem discutido se as recomendações algorítmicas podem ser equiparadas à publicidade tradicional para fins de aplicação do art. 35.


5. Interação com Outros Dispositivos Legais


O art. 35 não opera isoladamente no sistema jurídico. Sua interpretação deve considerar a interação com outros dispositivos do CDC, especialmente:


Art. 30: que estabelece a vinculação à informação ou publicidade


Arts. 36 e 37: que definem os parâmetros da publicidade adequada e coíbem a publicidade enganosa ou abusiva


Art. 6º, III: que assegura a informação adequada e clara sobre produtos e serviços


Além disso, a norma dialoga com o direito civil clássico, especialmente com os arts. 427 a 435 do Código Civil, que tratam da proposta e da formação dos contratos. A doutrina tem debatido os critérios de prevalência entre estes diplomas, prevalecendo o entendimento de que o CDC, como norma especial e de ordem pública, deve preponderar nas relações de consumo.


6. Aplicações Práticas e Casos Paradigmáticos


Setor Automobilístico


No setor automobilístico, o art. 35 tem encontrado frequente aplicação em casos envolvendo:


Divergências entre especificações anunciadas e entregues


Alterações de modelo ou versão sem consentimento do consumidor


Indisponibilidade de cores ou opcionais anunciados


A prática forense demonstra preferência dos consumidores pelo cumprimento forçado (inciso I) quando se trata de características técnicas específicas, e pela rescisão (inciso III) quando há alteração substancial do produto.


Setor Imobiliário


No mercado imobiliário, as aplicações mais comuns incluem:


Memorial descritivo divergente da unidade entregue


Alterações em áreas de lazer e infraestrutura do empreendimento


Não cumprimento de prazos de entrega anunciados


A jurisprudência tem sido rigorosa em exigir o cumprimento específico das obrigações, especialmente quando envolvem elementos estruturais do imóvel.


Comércio Eletrônico


O crescimento exponencial do e-commerce trouxe novos desafios para a aplicação do art. 35:


Divergências entre fotos e produtos entregues


Indisponibilidade de produtos em estoque após confirmação de pedido


Alterações unilaterais de preços após fechamento da compra


7. Propostas de Reforma e Tendências Futuras


O Projeto de Lei nº 3.514/2015, que tramita no Congresso Nacional, propõe alterações significativas ao CDC, incluindo modificações ao art. 35. As principais mudanças sugeridas envolvem:


Flexibilização da responsabilidade em casos de erro manifesto: proposta controversa que encontra resistência da doutrina especializada


Regulamentação específica para publicidade digital: reconhecendo as peculiaridades do ambiente virtual


Prazos específicos para exercício dos direitos do art. 35: visando conferir maior segurança jurídica


Antônio Herman Benjamin tem se posicionado contrariamente às propostas de flexibilização, argumentando que "qualquer retrocesso na proteção consumerista representaria violação ao princípio da vedação ao retrocesso social" (BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2021).


8. Perspectiva Internacional e Direito Comparado


A experiência internacional oferece importantes parâmetros para a interpretação do art. 35. O direito europeu, especialmente após a Diretiva 2011/83/EU sobre direitos dos consumidores, estabelece marcos similares para a proteção contra publicidade enganosa e o não cumprimento de ofertas.


Nos Estados Unidos, o Federal Trade Commission Act oferece proteções análogas, embora com menor sistematização. A análise comparada revela que o modelo brasileiro figura entre os mais protetivos mundialmente, equiparando-se aos padrões europeus mais avançados.


9. Reflexões Práticas e Humanização da Norma


Do ponto de vista prático, é importante reconhecer que o art. 35 representa mais que um dispositivo técnico - ele materializa a proteção da confiança depositada pelo cidadão comum nos anúncios que permeiam seu cotidiano. Quando uma família economiza durante meses para adquirir um bem anunciado com determinadas características, o não cumprimento da oferta representa não apenas descumprimento contratual, mas verdadeira frustração das expectativas familiares.


A experiência forense revela que muitos consumidores, ao se depararem com o descumprimento da oferta, sentem-se não apenas prejudicados economicamente, mas também desrespeitados enquanto pessoas. O art. 35, ao conferir alternativas concretas e efetivas, resgata a dignidade da relação consumerista e restaura o equilíbrio rompido pelo comportamento inadequado do fornecedor.


10. Considerações sobre a Efetividade da Norma


A efetividade do art. 35 depende fundamentalmente de três fatores: (i) o conhecimento dos consumidores sobre seus direitos; (ii) a facilidade de acesso ao sistema judiciário; e (iii) a celeridade na resolução dos conflitos.


Os órgãos de defesa do consumidor, especialmente os PROCONs e o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), têm desempenhado papel crucial na disseminação do conhecimento sobre o art. 35. Dados recentes indicam que aproximadamente 30% das reclamações junto aos órgãos administrativos envolvem questões relacionadas ao não cumprimento de ofertas.


11. Conclusão Objetiva


O art. 35 do Código de Defesa do Consumidor representa conquista civilizatória fundamental na proteção dos direitos dos consumidores brasileiros. Sua aplicação tem demonstrado eficácia significativa na coibição de práticas abusivas e na garantia do cumprimento das promessas publicitárias.


A norma encontra sua maior força na multiplicidade de opções conferidas ao consumidor, permitindo soluções flexíveis e adequadas a cada situação concreta. O cumprimento forçado (inciso I) atende aos casos em que a execução específica é possível e desejável; a equivalência (inciso II) oferece alternativa pragmática quando a execução original é inviável; e a rescisão com indenização (inciso III) garante reparação integral quando as demais soluções são inadequadas.


Para a prática jurídica contemporânea, recomenda-se: (i) atenção especial às peculiaridades da publicidade digital; (ii) documentação cuidadosa das ofertas e suas características; (iii) análise criteriosa da equivalência quando proposta pelo fornecedor; e (iv) quantificação adequada dos danos quando da rescisão contratual.


O desenvolvimento futuro da matéria provavelmente expandirá a aplicação do art. 35 para novas modalidades de ofertas e publicidade, especialmente no ambiente digital, mantendo-se fiel ao princípio fundamental da proteção da confiança legítima do consumidor nas relações de mercado.


Em síntese, o art. 35 não apenas protege direitos individuais, mas promove padrões éticos superiores no mercado de consumo, contribuindo para o desenvolvimento de uma economia mais justa e equitativa para toda a sociedade brasileira.


12. Referências Bibliográficas


BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Manual de Direito do Consumidor. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.


BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021.


BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do CDC. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.


FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.


GOMES, Orlando. Obrigações. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Contratos e Atos Unilaterais. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.


MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.


MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.

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